Censura consciente dos desejos coletivos
Eu conheço um cara que conhece um cara que é amigo de um cara
por definição, o cara que é o cara é o último
e eu sou o mais patético da lista
não conheço ninguém a não ser um cara que conhece um cara e é amigo de um cara
sim, isso é patético
e este é um começo patético de uma patética poesia
mas deixem-me: hoje estou patético
e não quero sentir as tamborilações cardíacas em seu colo
tenho uma capacidade infinita de ser amável
no mesmo nível de ser um completo cretino
engraçado, uma capacidade incomensurável da contradição
triste pensar assim
mas quero estar assim hoje
quero me sentir miserável, quero me sentir dramático
quero ser fresco, infantil, fútil e imbecil
tudo porque não sou o cara
Acham mesmo que tenho necessidade do amor? Sim, eu tenho
assim como tenho necessidade da amargura
assim como dói sem motivo algum para doer
e eu nem sei onde que dói então a chamo de angústia
como não sei de onde a angústia vem também a chamo frescura
e escondo todas minhas necessidades no fundo da gaveta
junto com meus escapes farmacológicos
Saia de perto de mim, quem lhe chamou aqui?
vá consolar a sua avó, seus cachorros ou sua bunda
de melodrama já me basto, de cuidar de mim já me sirvo
e isso tudo é tão ridículo que sequer consigo escrever sem me sentir estúpido
Mas adiante, o show tem que continuar
que tipo de palhaço é esse cuja intepretação não satisfaz o público
que esperam que seja você só sorrisos, só afabilidades
quando não o são, minuciosamente o investigam
fingem anseio, fingem preocupação, fingem de tudo
te querem bem? há, a piada do século
a ansiedade parte da necessidade embutida de que
as relações sociais da humanidade se baseiam na interação química sentimental
e que, moralmente, devem se preocupar com você
não os diga como se sentem: é cutucar um balão de gás com uma brasa incandescente
se indignam: você não pode ser assim
se ofendem: você não gosta de mim
se martirizam: eu não sirvo pra nada mesmo
e o teatro do melodrama barato se mantém
e eu que queria ser apenas autêntico e esquisito
sou motivo pleno do empirismo malfadado das relações humanas
tão doce que de tão doce é amargo
e isso é mais besta ainda, o doce é sempre doce
o que varia são as tonalidades do paladar na degustação
e, assim, o amargo é sempre amargo
Não me toquem, maldição, saiam daqui
que diabos de insistência inútil, insistem no teatro mágico
"eu tenho um cara mas que não é um cara como você
você sempre será meu cara mas quero o outro cara
porque este cara oferece-me espaço e você está sempre sozinho"
ah, que rebelde... deveria ficar tocado?
o que esperam? de que forma querem que eu aja?
fique triste? fique tocado? fique inutilmente inconsolável?
tenho mais o que fazer como cagar
portanto, se os desagrado vazem daqui
vão para o diabo, ou melhor, deixem-me ir para o diabo junto com o Fernando Pessoa
"ei, Sr. Pessoa, espera-me na esquina do lago
que Gil Vicente está a nos esperar na barca do inferno, impacientemente"
Ah, que desespero, eu admito
que falta soberba de conteúdo e drama excessivo
"reaja, maldito, reaja
não fique com essa cara imbecil de que está tudo bem
pode chorar, vamos, diga que está magoado sim
esperneie, berre, xingue, seja senil
mas, cacete, faça alguma coisa, qualquer coisa"
e os gritos e as vozes cessam
mergulhando-me na tormenta doce do silêncio
e limito minhas reações, meu espaço, minha culpa
minha placidez, meu vazio, minha inocência
a nada... e a tudo também
acende meu cigarro, Augusto
que eu escarro e apedrejo
esses sentimentos vis e falsos que me oferecem
que eu tanto anseio, que eu tanto desprezo
que eu tanto preciso, que eu tanto repudio
e me faz humano, nada mais mas nada de menos
nada mais abstrato, nada mais metafísico
nada mais concreto, nada mais palpável.
3 comentários:
Rafa...vai te catar!!!pqp!!Amo suas idéias huahuhah...muito bom meu...nao sabia que vc ainda escrevia...tenho até hj aquelas q vc me deu..lembra???? =).
Só para vc saber que eu li
é tudo mentira. vc é exatamente o oposto de tudo. A mim vc não convence!
Bjo
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