quarta-feira, 30 de abril de 2008

Doidera romântica

Estranho, estranhos amores
que faz a gente agir feito besta
como torcedor em final de campeonato
a se perder como criança que ganha um brinquedo novo
e a ficar ao lado do telefone esperando
uma chamada que ou demora ou nunca vem
Como se tudo fizesse sentido em não fazer
não fazendo sentido em fazer
muita razão acaba se achando no emotivo
quando se espera que não faça sentido – mas faz
na estranheza similar de cristais ocos
belos, mas vazios... falsos, mas brilhantes
eu me pergunto – o que seria sentir o amor?
direto do dicionário: inclinação da alma e do coração
engraçado, o que o coração diria sobre isso?
nada diz, o coração só pulsa, só bombeia sangue
e na consistência rubra que percorre os vasos vitalícios
acreditam em uma mentira que pensam que o coração conta – pobre coitado
presta um serviço sem direito a décimo-terceiro e férias
e ainda o responsabilizam pelas frustrações relacionais malfadadas
cigano, ladrão, idiota, insensível, falso, platônico... capitalista???
Há, eis o criminoso do século: o coração – pobre, pobre coitado
mas isso não responde a pergunta, apesar de engraçado
que diabos seria sentir o amor? Ou o amor é só sentir e nada mais?
se for assim então eu amo o tempo todo e a todo instante
amo o vento que passa, amo o cachorro que passa
amo a sombra da árvore no carro, amo o fumaça reflexiva do cachimbo
amo o trânsito lotado, amo a dor de encontrar com o pé o vidro
convenientemente varrido para baixo do tapete.
também amo a pedra endiabrada que, sorrateiramente, pula dentro do sapato
enquanto ri dos tropeções e das ofensas dirigidas a vida
Estranho quanta coisa de ruim atribuímos à vida por causa de uma pedra
“maldita pedra, minha vida não presta mesmo”
“tenho tanta miséria que até pedra está me sacaneando”
“só faltava essa pra completar meu dia: uma pedra no sapato”
e os mais diversos maldizeres por causa da pedra brincalhona
Mas novamente me afasto do assunto, do amor
se fosse possível reunir todas as idéias sobre o amor
o modo como pessoa se sente, como se frustra ou realiza
seria a maior enciclopédia da existência
o que os românticos-platonistas-endoidecidos diriam?
Hum, vejamos... talvez algo assim:
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“O amor é como sonhar estando acordado
é sofrer, adorar, duvidar e descobrir
é ser ridículo, é ser triste e poder sorrir
é dormir chorando e acordar amado
Quem ama tem mais forças, o mundo tem mais cores
os rios são tranqüilos, o vento é mais sedoso
o céu é sempre lindo, o sol mais carinhoso
as lágrimas são o sereno nas pétalas das flores
E a tristeza? – não conheço o sentimento
vivo na eternidade única de um momento
passado, presente, na volta e na ida
E sou criança – e brinco, e rio, e canto
só quem sente, vive, e ama tanto
entende a paz e a certeza de um amor na vida“ .......................................................................................................................................
E agora, José? O que é isso, companheiro?
nada é nunca e nunca é não? Que diabos de certeza é esta?
“toca a roda, meu amigo. Passa o acorde no violão”
Mas não sei tocar violão, seu José
no máximo campainha ou masturbação
Já pensou lembrar do amor no banheiro?
oferece-lhe os mais sinceros sentimentos
e o tenciona, e o espera, e o deseja
enquanto a bunda esfria na porcelana insensível
na tensão pulsante dos músculos se retraindo
e desce-lhe os cagalhões
Ah, por que deveria levar o amor a sério?
se tão pouco nessa vida se leva a sério...
de uma coisa eu sei: o amor não é rabugento
embora os romancistas esperam com cabrestos
um poema simétrico, pomposo e superficial
quem se importa com a métrica e perfeição
não sabe como é amar de verdade
nem quem não o é sabe direito
imagina então aqueles que lhe colocam limites
e regras. E um caminho a seguir
Fomos ensinados a amar
assim como os critérios de beleza e a dependência da moeda
quais sentimentos realmente são nossos?
Eles passam na tevê, nas propagandas, em todo lugar
e assim aumentam as vendas e o faturamento capitalista
“quem ama de verdade compra nas Casas Bahia”
e esse é o amor, o amor cultural, o amor dos meios de comunicação
o amor monetário, concreto e de produtos supérfluos
Por que deveria levar o amor a sério
se ele mesmo não se leva a sério
tão sujeito a regras, privações e aprovações
duvidoso, manipulado e superficial?
O amor não tem definição, entendam de uma vez
nem deveria estar no dicionário, nem deveria ser nomeado
mas na ânsia desesperada do positivismo em catalogar
o define, o nomeia, o classifica – e perde o sentido
O amor é simples como uma árvore
que oferece frutos, que oferece sombra
e não se questiona por isso, cumpre o que se deve e basta
não tem inteligência para pensar? Mas para que precisa
ela tem o instinto da sua criação e o segue
não tem dúvidas do que deve fazer, apenas sabe – e por isso tem sentido
“Você ama, companheiro?” – sim, eu amo, José
“E o que o amor significa pra você?” – que eu amo, só isso. E pra você?
“Ah, significa tantas coisas: pra onde vou, pra que existo
preenche-me de significado, de razão e de sonhos
dá-me forças para ser melhor, pra ter sucesso na vida
pra ocupar meu espaço na existência e alcançar a felicidade da vida”
Pois te digo que está errado, José
você não ama de verdade pois ama como querem que você ame
seu amor não tem sentido pois ama com a razão de outras pessoas
os motivos que você explica são calculistas e determinados
e suas lágrimas de tristeza são em vão pois não são sinceras
pois você ama pensando que sabe o que é amor e por isso diz que ama
pois você chora porque esperam que você fique triste
mas como todos choram e amam em uma determinada forma
quando você ama ou chora o sentimento é vazio, sem conteúdo – e acha certo
suas lágrimas são só lágrimas, seu sorriso é insincero
você os sente com motivos que acha que sãos os seus – mas não são
e os sente da forma que os outros sentem e te ensinaram
Seu amor é falso, seu pesar é falso, você é falso
ame do jeito que lhe convenha, desprendido e sem determinações
por que diabos as rosas são o presente ideal para dizer que se ama?
compre-lhe um saco de balas, aliás, não compre nada
de que adianta presentear se você o faz porque te ensinaram que é o certo em fazê-lo
e por isso o faz sem mais razões?
ame: sem restrições, sem conveniências, sem pudores, sem privações
se está triste fique triste, mas não procure o sentido disto porque o sentido está aí
em não saber o sentido, tornando a tristeza sentimentalmente pura e bela
“estou triste”. Ponto, nada mais é preciso
“eu amo”. Basta, você ama, não procure entender o porquê do amor
o amor por si só não faz sentido
pois não é um ser vivo e não pode ser explicado
mas você é – e você dá o significado ao amor – ao seu amor
e dá significado a sua tristeza, dá razões para os sentimentos – seus sentimentos
seja feliz, seja triste, seja qualquer coisa doida que o queira
mas seja sincero como o sente, do jeito que você sente
da maneira como você ama, da maneira que amar
crie felicidade nos passos da sua vida.