quarta-feira, 22 de outubro de 2008


Censura consciente dos desejos coletivos

Eu conheço um cara que conhece um cara que é amigo de um cara
por definição, o cara que é o cara é o último
e eu sou o mais patético da lista
não conheço ninguém a não ser um cara que conhece um cara e é amigo de um cara
sim, isso é patético
e este é um começo patético de uma patética poesia
mas deixem-me: hoje estou patético
e não quero sentir as tamborilações cardíacas em seu colo
tenho uma capacidade infinita de ser amável
no mesmo nível de ser um completo cretino
engraçado, uma capacidade incomensurável da contradição
triste pensar assim
mas quero estar assim hoje
quero me sentir miserável, quero me sentir dramático
quero ser fresco, infantil, fútil e imbecil
tudo porque não sou o cara
Acham mesmo que tenho necessidade do amor? Sim, eu tenho
assim como tenho necessidade da amargura
assim como dói sem motivo algum para doer
e eu nem sei onde que dói então a chamo de angústia
como não sei de onde a angústia vem também a chamo frescura
e escondo todas minhas necessidades no fundo da gaveta
junto com meus escapes farmacológicos
Saia de perto de mim, quem lhe chamou aqui?
vá consolar a sua avó, seus cachorros ou sua bunda
de melodrama já me basto, de cuidar de mim já me sirvo
e isso tudo é tão ridículo que sequer consigo escrever sem me sentir estúpido
Mas adiante, o show tem que continuar
que tipo de palhaço é esse cuja intepretação não satisfaz o público
que esperam que seja você só sorrisos, só afabilidades
quando não o são, minuciosamente o investigam
fingem anseio, fingem preocupação, fingem de tudo
te querem bem? há, a piada do século
a ansiedade parte da necessidade embutida de que
as relações sociais da humanidade se baseiam na interação química sentimental
e que, moralmente, devem se preocupar com você
não os diga como se sentem: é cutucar um balão de gás com uma brasa incandescente
se indignam: você não pode ser assim
se ofendem: você não gosta de mim
se martirizam: eu não sirvo pra nada mesmo
e o teatro do melodrama barato se mantém
e eu que queria ser apenas autêntico e esquisito
sou motivo pleno do empirismo malfadado das relações humanas
tão doce que de tão doce é amargo
e isso é mais besta ainda, o doce é sempre doce
o que varia são as tonalidades do paladar na degustação
e, assim, o amargo é sempre amargo
Não me toquem, maldição, saiam daqui
que diabos de insistência inútil, insistem no teatro mágico
"eu tenho um cara mas que não é um cara como você
você sempre será meu cara mas quero o outro cara
porque este cara oferece-me espaço e você está sempre sozinho"
ah, que rebelde... deveria ficar tocado?
o que esperam? de que forma querem que eu aja?
fique triste? fique tocado? fique inutilmente inconsolável?
tenho mais o que fazer como cagar
portanto, se os desagrado vazem daqui
vão para o diabo, ou melhor, deixem-me ir para o diabo junto com o Fernando Pessoa
"ei, Sr. Pessoa, espera-me na esquina do lago
que Gil Vicente está a nos esperar na barca do inferno, impacientemente"
Ah, que desespero, eu admito
que falta soberba de conteúdo e drama excessivo
"reaja, maldito, reaja
não fique com essa cara imbecil de que está tudo bem
pode chorar, vamos, diga que está magoado sim
esperneie, berre, xingue, seja senil
mas, cacete, faça alguma coisa, qualquer coisa"
e os gritos e as vozes cessam
mergulhando-me na tormenta doce do silêncio
e limito minhas reações, meu espaço, minha culpa
minha placidez, meu vazio, minha inocência
a nada... e a tudo também
acende meu cigarro, Augusto
que eu escarro e apedrejo
esses sentimentos vis e falsos que me oferecem
que eu tanto anseio, que eu tanto desprezo
que eu tanto preciso, que eu tanto repudio
e me faz humano, nada mais mas nada de menos
nada mais abstrato, nada mais metafísico
nada mais concreto, nada mais palpável.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Falsas ilusões do momento

Não se justifique porque não se justifica
não rola essa de falar que me ama sendo que não me ama
tão pouco disfarçar uma situação malfadada e precoce
onde os hormônios falam mais alto quando diz que me ama
não me ama, mas quimicamente me deseja
e se confude e me confunde também
e me engana e se engana também
e me trepa, e me malha, me goza inteiro
mas não cuida, não trata, não cicatriza
nem limpa o sangue ou me devolve o sono
ou fala as notas da música ou tira o sutiã
só vejo os olhos, nada mais que os olhos
verdes, esmeraldas, cor de vagem e cheiro de hortelã
loira, loirissima, a água oxigenada encarnada
e é tão bela, ah, é tão bela
e é tão falsa, ah, tão falsa
por falsos amores verdadeiros
em ilusões reais e não concretas
como um silêncio eterno de um canto sublime
e uma nota musical mal posicionada na orquestra
tão bela quanto castelos construídos em solo irregular
tão feia quanto rosas que nascem entre os entulhos
uma amostra singular da química fértil que é a vida
e o erro genético da evolução mal adaptada
não sabe qual o seu motivo, não sabe qual a direção
só conhece o sabor do pão e do açucar de um café
tamborila com uma gaita sonoridades diversas
mas a gaita não foi feita para tamborilar, e isso é ridículo
mas quem sabe também? e por que julgar então?
se não se julga quem sou eu pra fazê-lo
então peço, não me sorria assim
também não me olhe dessa forma encantadora
que esse encanto é falso, o sentido é falso
e o seu sorriso é desprovido de contéudo
porque eu que crio esses sentidos, não você
fazendo das suas razões as minhas, nunca suas
e te torna tão falsa quanto as razões que eu racionalizo, ou anseio
que jeito meigo, que doçura, que encanto
que doidera, que loucura, que besteira
e ainda me dá um toque
"ficou um pedaço de papel na sua testa"
imagine então quando ficar uma alface no meio dos dentes
se mantenha plácida, se abstenha, se mantenha impecável
se não entendeu, cala a boca e fica quieta
que muito belo permanece quem não abre a boca
e se mantém incólume na empolgação da verborragia
ah, mas essa parte se dirige a mim e não a ela
que fala muito e age pouco
e, estupidamente, fica buscando sentidos e mais sentidos
e não existem esses sentidos, só sentidos
que são somente sentidos, que se sentem e não precisam ser entendidos
por isso são sentidos e nada mais
e me escondo através de um intelecto ilusório e narcísico
quando tenho vontade de ser somente estúpido e fútil
e falar sobre coisas estúpidas e fúteis
e ser fútil e estúpido
ah, como ela é bela e preciosa
como é suave, como é senhora de si
como ventos que trazem doces sensações de sonhos improváveis
e músicas tortuosas que inflamam os sentidos materiais
como um banho de sabonete voluptuoso e de sentimentos anti-caspa
onde os movimentos ondulantes distorcem a realidade
e a fumaça dos incensos traçam figuras apaixonadas e mal-definidas
dimensionando todas as cores e brincando como criança
entre desejos que não se concretizam e vivem a mercê das expectativas
em uma paquera inteminável de 15 anos de idade
e na sabedoria da velhice e a placidez que a sabedoria traz
na impaciência do gozo que nunca chega
retraindo os músculos do corpo e ricocheteando na virilha
é dona do momento, da ocasião premeditada
na infantilidade sádica dos iconoclastas
nos concretiza os sonhos e os destrói ao mesmo tempo
e toca os rebanhos, e toca o moinho da vida
desaba e se levanta somente para desabar de novo
para ter que levantar novamente e dar continuidade ao ciclo da existência
ah, como ela é forte, ah, como ela é frágil
como é dona de tudo e ao mesmo tempo não é nada
um conta-gotas no oceano nos milhões dos milênios da vida
como grãos de ouro e de prata que representam os sentimentos
mas não são nem dourados ou de prata e não representam nada
são somente grãos de areia e por isso são importantes
por serem apenas grãos de areia e por isso são coerentes
sinceros e representam tudo
então não me sorria nesse vestido rosa e com os olhos de limão
que, aliás, pensei que fosse um vestido de gala e ocasião
e os limões adocicados e curtidos na vodca
que me tira o sono, a coerência e a lógica
e me torna inquieto, contraditório e sentimental
e fraco, e forte, e tortuoso, e realizado
e perfeito, e falho, e homem, e criança.